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10/03/25

Eram férias escolares das crianças e estávamos passando uns dias no interior com a minha família materna. Na mesa, todos conversávamos e ríamos de amenidades. Meu telefone começou pipocar notificações da minha família paterna sobre a partida do meu vô. Respirei profundamente, me levantei quietinha e sai para o quarto afim de digerir e processar a informação. Desabei em silêncio. Alguns instantes depois, minha filha se juntou a mim, nos consolamos e resolvi manter a discrição, compartilhando posteriormente, individualmente às pessoas ali que o conheciam e tinham algum apreço. Voltei para cozinha, me dediquei à louça na pia, continuei a margem da conversa. Foi quando o telefone da minha mãe tocou, era nosso vizinho para dar-lhe a noticia do meu vô. Ali na mesa, diante de todos, ela responde com um sonoro: ufa, graças a Deus, até que enfim, estou aliviada. Sem cerimonia, sem delicadeza, sem sutileza, sem empatia alguma, especialmente comigo. Ela deixou todos na mesa cientes do ocorrido, com naturalidade e frieza. Eu senti uma imensa vontade de vomitar, corri para o banheiro, depois peguei meus filhos e sai para caminhar pela cidade, sem direção, sem explicar muito, só para me sentir amparada e processar minhas emoções. Eu e ela nunca mais falamos disso, nem do meu vô. 

Há uns meses, a tv da sala parou de funcionar, o conserto não valia a pena, comprar uma nova estava fora de cogitação. Só deixei para depois. Há umas semanas, a tv do meu quarto também parou de funcionar. Fiquei ainda mais chateada. Não tinha como comprar uma, muito menos duas. Quando contei para minha mãe, ela disse: ainda bem que foi a sua e não a do meu quarto. 

Sempre tive boa saúde, de modo geral, tirando umas ‘ites’ e saúde mental, normalmente, tudo em ordem.  Recentemente tive uma crise e precisei de atendimento de urgência. Em seguida agendei atendimento de rotina para investigar melhor. Fiz alguns exames, que ainda não avaliei junto a medica que pediu, mas, um dos médicos que fez um dos exames já me deu diagnóstico. Não é nada absurdo só que é sério e vou precisar cuidar. Fiquei totalmente abalada. Perdi o chão e o rumo. Sofri calada, sozinha, desamparada. Um dia cai na besteira de falar com a minha mãe. Qual a reação? Sim: “Hahahaha, bem feito, pelo menos não sou só eu que tenho isso, você está ferrada também”. Como sempre, fico atônita e nem consigo falar mais nada. Me desencadeou mais uma crise de encolhimento, de trancafiamento no casulo, de desistências…

Pois é. Nós não falamos a mesma língua e eu nunca aprendo. 

Uma das coisas que preciso fazer nesse tratamento, que na verdade sempre deveria fazer, todo mundo na verdade, é lutar contra o sedentarismo. Isso está totalmente nas minhas mãos, não depende de fatores externos, de renda ou algo específico. Claro que existem coisas que cooperam, mas, não determinantes. 

Há exatamente um mês, comecei fazer a coisa mais difícil da minha vida todinha: cuidar de mim. Ter consciência é avassalador. Entender minhas limitações financeiras, sociais e também físicas. Estou fazendo treinos de calistenia, e mesmo com atenção ao baixo impacto, tenho encontrado dificuldades imensas. É tanta vontade de desistir o tempo todo! São tantas doreszinhas em todos os músculos… Todos os dias são terríveis e não, não tem sensação boa no final por ter insistido, ter conseguido, ter me superado. Não existe acostumar com o tempo e até sentir falta. Isso deve ser lenda urbana. Me determinei um treino por dia, sete por semana. Nas três primeiras, cumpri os sete, mesmo que faltando um dia, compensando com dois no dia seguinte. Só que na última semana, eu perdi todas as batalhas, perdi os sete dias. As batalhas da mente são as mais insanas! Me acolhi. Fiz a conta, foram 75% de aproveitamento. Copo meio cheio. Hoje, e só por hoje, deu certo. E tomara que amanhã seja um bom dia. 

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29/11/24

A relação que você tem com os seus pais hoje, na fase adulta, é a relação que eles tinham com você, quando você era pequeno e totalmente dependente deles. 

Pare de absorver pessoas que estão em falta com você sob o pensamento de que elas deram aquilo que elas podiam dar. Nem sempre. As vezes elas só não queriam dar nada mesmo. 

Ontem parei em um video no tiktok em que a moça, uma psicanalista, diz apenas essa primeira frase. O video ficou repetindo incontáveis vezes ate que sai do transe e consegui deslizar a tela. 

Hoje aconteceu semelhante quando me peguei presa no video de um rapaz, neuropsicólogo, com a segunda frase rodando sem parar. 

Mais cedo, na minha faxina e só no tempinho em que estava cuidando da cozinha, minha mãe passou no meio, cinco vezes. Todas as quatro primeiras, respirei fundo e me obriguei ressignificar o ódio que senti. Na quinta, soltei a vassoura e perguntei se ela se lembrava de me dar vassouradas na cabeça quando eu era criança, por apenas existir. Eu me escondia, saia da frente, não atrapalhava, não falava, não respirava para não ser notada. Mesmo assim, vez ou outra, tomava a lapada se o dia dela não estava bom.  

Não falei porque queria brigar. Na verdade não sei porque falei. Acho que foi só um desabado. Ela me ignorou, olhou com aquela cara de “você está louca, nunca fiz isso” e saiu se fazendo de coitada. Fiquei me sentido pior ainda pois veio aquele amargo de ser sempre a louca. 

Ha uns meses, fui até meu irmão, conversar sobre um assunto importante. Não se resolveu nada. Falei meu ponto, ele falou o dele. Um tempo depois, voltei ao assunto e ele disse que eu nunca tinha falado sobre aquilo. Fiquei frente a frente e pedi pra ele, olhando nos olhos, falar que não se lembrava de eu ter o procurado, tal dia, tal hora, em tal lugar. Ele categoricamente respondeu que eu nunca tinha tocado em tal assunto. 

Quando era criança, criei o hábito de anotar as coisas. Escrever, escrever, escrever. Tantas coisas que vivemos e parecem absurdas, as vezes a memória quer esquecer. Gosto das minhas notas que embasam minha sanidade. Isso quanto as coisas que outrem fazem. As coisas que eu faço de errado ao outros, essas a memória permanece intacta, como as vezes em que reproduzi as violências que sofri, na minha filha. Cada vez que levantei a vassoura pra ela, quando criança, sendo apenas criança, ativa e não estátua, todas essas vezes me rasgam e despedaçam. Não era consciente mas era. Foi. E sofro. E ainda sou besta o suficiente para agradecer a Deus pela alienação da minha mãe. Pra ela pouco importa. Ruim sou eu que não a idolatro. E agradecer principalmente por eu não ser capaz de tratá-la como fui tratada desde nascença…

Nota
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Enfeite feito com feltro para decoração de halloween. Inspirem-se! (ˆ◡ˆ)♥

Link para postagem semelhante com o molde: http://www.alinnemarques.com.br/?p=2643

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texto de 15-09-24

Esse é o meu passeio favorito. Indiscutivelmente. E sozinha. No contrafluxo então, sucesso!

O último filme que vi foi Robô selvagem. Fiquei maravilhada! É sobre uma robô que se vê perdida e precisa ativar seu modo sobrevivência em um ambiente novo e hostil. Encontra todas adversidades até conseguir seu espaço e encontrar seu propósito e lugar no mundo. Tem uma mensagem linda de maternidade, amizade, superação e acolhimento. Nos faz refletir também sobre a relação da tecnologia com o meio ambiente. E aqui eu deixo o gancho para essa música.

A luta começou de novo
O sangue está manchando nossas mãos
Desejos egoístas
Começam a matança novamente
Ilusão de riqueza
Agitando a raiva
A luta começou de novo
Sangue foi derramado
Nossa terra
Nossa salvação
Deslizam através
De nossas mãos atadas
Nós vendemos nossas almas
Não há lugar para se esconder
Porque fechamos os olhos
Não há uma segunda chance
Auto destruição
Falando a verdade
Nós continuamos vivos
Preserve o nosso caminho
É de onde todos viemos
Fortes em nosso levante
A fonte da nossa vida
Não há uma segunda chance
Falecimento total
Cegos pela fé
Assassinato a sangue frio
Agora! Reverta o que fizemos
Salve o nosso futuro
Nós nunca desistiremos
Preserve o nosso futuro
Nunca desista
Lute até o fim
Nunca desista

O planeta não vai acabar. Só fica cada dia menos salubre e a corda se arrebenta sempre para o lado mais fraco. Sigo buscando conforto nas artes já que esperança de futuro há tempos não temos. Mês que vem temos eleições municipais. Cada um fazendo sua parte já seria um alivio.

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texto de 08-09-24

Chaos A.D.
Tanks on the streets
Confronting police
Bleeding the plebs
Raging crowd
Burning cars
Bloodshed starts
Who’ll be alive?
Chaos A.D.
Army in siege
Total alarm
I’m sick of this
Inside the state
War is created
No man’s land
What is this shit?
Refuse
Resist
Refuse
Chaos A.D.
Disorder unleashed
Starting to burn
Starting to lynch
Silence means death
Stand on your feet
Inner fear
Your worst enemy
Refuse
Resist
Refuse
Resist

Ainda bem que o meu pré prova foi no show que dai essa pedrada ficou na minha mente me acalmando o tempo todo. Nada como a música de abertura ser eletrizante pra impactar ainda mais o momento. E que prova extensa e cansativa. Minha segunda tentativa da mesma. Meu quarto concurso. Emendei três esse ano e definitivamente preciso por o pé no freio. Loucura! Obrigada refuse/ resist pelo amparo. Roots bloody roots na veia e vamos detonar essa porra!

Fiz mais uma prova de concurso em 08/09/24. Para cargo de escrevente do tribunal de justiça. São tantas emoções!

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texto de 07-09-24

Ontem foi dia de show de uma das minhas bandas favoritas da vida. Tem mais tempo de banda que eu de vida. Turne de despedida super marcante e emocionante. Fui decidida a ficar la no fundão, tranquilinha, de boainha. Não me aguentei e fui lá no meião. Mosh, mosh, mosh. Pulei, cantei, gritei, chorei, me acabei. Foi insano! Comprei o ingresso lá em Dezembro logo que abriu e rapidinho esgotou. Longos meses de espera. E agora muito grata por não ter desistido. Cada vez mais confortável na minha própria companhia. Foi maravilhoso! 🖤🎶🤘🏻#Sepultura #Celebratinglifethroughdeath #saopaulo

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texto de 01-09-24

2016 foi uma ano muito difícil para mim em diversos aspectos da vida. Estava totalmente desconectada de mim, submersa na maternidade no seu grau mais profundo e em um casamento falido.

Foi quando meu pai morreu que consegui parar e olhar para o meu lugar no mundo. Em seguida formalizar o que se estava posto. Me vi com 30 anos, com a família de origem quebrada (não que algum dia ela não estivesse, sempre foi problemática!), e com a família idealizada, aquela que eu acreditava que seria minha redenção, minha chance de pertencer, de fazer do jeito que quisesse, de prosperar e ser feliz, igualmente rompida e desmoronando.

Em poucos dias, algumas semanas, tinha dois lutos, nenhum lugar para respirar, nenhum colo, dependência financeira e três filhos para criar sozinha. Voltei para o lugar onde sempre me feri. Era tudo o que eu tinha.

Foram uns 5 anos de depressão profunda. Algumas desistências não concretizadas. Nenhum tratamento. Temos o direito à vida assegurado na Constituição mas não temos o contrário. Vivi por obrigação. Cumpri todas as demandas que precisava. No automático, mas cumpri. Adolescência rebelde da primogênita. Imaturidade desmedida da anciã. E foi no meio da pandemia que a vida me chacoalhou. Eu partir, tudo bem, inclusive queria. Agora ter muita chance de alguém que amo… Insuportável!

Minha menina bateu asas e voou pra longe. Apesar da dor de dentro, senti um leve alivio nas costas. Percebi que não precisava mais pensar sempre em 5. Tirei também mais 1 extra do meu lombo. Comecei caminhar pensando nos meus filhos que ainda são menores e eles sim precisam e dependem de mim. Reorganizei a lista e me tirei na última posição. 2 filhos e depois eu. Me coloquei na minha ordem de prioridade. Enfim.

Foi ai que o segundinho precisou de ajuda psicológica e a vida rindo novamente na minha cara, me deu os sacodes que precisava.

Ha uns 3 anos venho exercitando, praticando um novo olhar sobre as coisas, sobre a vida, sobre o mundo. Tenho sido mais flexível e saído aos pouquinhos da casca protetora que me abriguei. São pequenos respiros, pequenos passos. A inquietação para sair da imobilidade causada pelos incessantes tsunamis da vida. Uma vontade absurda de largar o auto ódio. Uma obrigação de auto acolhimento.

Setembro faz 2 anos que fiz um ensaio fotográfico, intimista, em busca de me encontrar, procurar quem sou agora. Foi uma aventura! Eu estava em pânico. E consegui! Venci o desconforto e o saldo foi positivo. Foi difícil. Quis desistir. Tive ataques de pânico. Quando recebi as fotos tive uma crise e não consegui abrir por dias. Depois realinhei as expectativas e amei todas as fotos e todos os detalhes. Foi bem pessoal. Algumas bem intimas. Um olhar diferente que me ajudou perceber um tantão de mim que havia desencontrado. Mozão tem uma sensibilidade linda! Serei eternamente grata pela troca incrível que tivemos. Obrigada♥️

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texto de 26-08-24

Pipoca é uma das minhas coisas favoritas da vida. Poderia comer todos os dias e não enjoaria. Como todos os exageros são ruins, tanto quanto escassez, administro um certo controle e ultimamente tenho feito umas duas vezes por semana. Repito: tranquilamente comeria todos os dias. Prática, bom rendimento, preço acessível e valor afetivo.

Há algumas semanas, levei meu filho para fazer um exame. Ele precisava estar em jejum. Muito naturalmente, segui em jejum junto com ele. Saindo do centro médico, estava com muita pressa devido a demanda com o outro filho (me desdobro para a rotina de um não prejudicar a do outro, ou ao menos mitigar quanto possível), e acabei pegando um lanche rápido só para ele quebrar o jejum que estava o incomodando muito e a bolachinha com café do laboratório não haviam aliviado minimamente. Quando terminou de comer, comentei que estava com dor de cabeça e que deveria ser de não ter me alimentado. Ele se espantou. Contestou por não ter lhe avisado antes e por eu não precisar estar sem comer. Respondi que tudo bem, que eu aguentava esperar chegar em casa, cozinhar e só depois almoçar. Na minha cabeça fazia total sentido, empatia desmedida, abnegação e abstração das minhas próprias necessidades básicas. Ele parou na minha frente, olhando bem nos meus olhos, com as duas mãos segurando o meu rosto e falou: mãe, você precisa parar com isso. Você é um ser humano, sente fome, pode assumir que está com fome. Fala. Solta as palavras. Está em um lugar seguro, comigo, e não com a sua mãe. Fiquei extasiada. Nesse instante o ônibus chegou e caminhamos ao nosso destino.

Já havia conversado com ele sobre a criança negligenciada que fui. Sobre a posição de absoluto silêncio. Sobre o esforço sobre-humano de não incomodar. Sobre a alienação da realidade para sobreviver. Sobre humilhações. Sobre não poder me expressar, sentir, pensar. Até a respiração precisava ser medida. Criança nem era gente. Ao menos a que nem deveria ter nascido.

Minha mãe tem, e sempre teve, distúrbios alimentares. É difícil lidar com isso e é muito difícil estar próximo e não conseguir fazer nada a respeito.

Recentemente uma tia veio me entregar um caminhão de culpa e fiquei muito feliz em ter conseguido, enfim, recusá-lo. Tia, ela é uma mulher adulta, com acesso à informação, à serviço de saúde e discernimento. Eu sou responsável apenas por mim e por minhas crianças.

Minha mãe diz que gosta de cozinhar, mas se esforça muito para não o fazer. Não tem o mínimo de cuidado e posterga o preparo. Não tem zelo. Só faz para si. Não é de cozinhar para ninguém. Faz apenas o básico do básico. Sem refogar, sem tempero. Quando se vê impelida, faz quantidades estupidas que vão ao lixo em seguida. Só sabe uma única maneira, não tem capacidade de adaptações. Como não tem qualidade nas refeições base, come o tempo todo complementos. Tem péssimos horários e come em todos eles. Come porcaria sem controle e a despensa, não sabe o dia de amanhã. Sempre foi assim. Na infância, tínhamos muitas restrições.

Costumo dizer que não gosto de cozinhar. Na verdade, eu gosto. O que não gosto é o todo de antes. É o peso da responsabilidade, quando se importa, de escolhas e hábitos saudáveis. Se fosse só selecionar os ingredientes e preparar, seria maravilhoso. Tem toda a parte de logística. Pensar, planejar, fazer compras, organizá-las, fazer durar até o próximo ciclo, ponderar, diversificar, atender as peculiaridades de todos da casa. Isso tudo faz ser exaustivo e desestimulante.

Eu nunca fiz uma compra de mercado sem me preocupar com dinheiro. Nunca pude colocar no carrinho tudo que gostaria, sem pudor, sem limite, sem consciência.

Quando criança, era totalmente proibida de fazer qualquer pedido. Aquelas idas ao mercado eram um martírio horrível. Precisava me comportar como um robô, obediente, silencioso e sem vida. Com antolhos e cabresto subentendidos. A única vez que tive a ousadia de pedir alguma coisa, foi um churros na entrada. Nem apanhei. Só ouvi o “na volta a gente compra” e na saída não comprou. Passamos direto. Sofri em silêncio e o meu corpinho reagiu. Virando a esquina, vomitei. Tomei uma bronca e em um ato destemido, bradei sobre o churros. Foi a melhor refeição daquela pequena vida de uns cinco sofridos anos.

Só aprendi não passar mais vontade na minha primeira gestação. Se bem que nem era por mim, era para o bebê não passar vontade. Hoje sou paranoica com as refeições das minhas crianças. Todos os meus dissabores da infância procuro não repeti-los com eles. Não dar nenhuma margem para que eles jamais sintam o que senti. Não ter quem fizesse meu café, meu lanchinho, almoço e jantar. Ia para escola cedinho sem comer. Desde sempre, acordava sozinha e me arrumava sozinha. Não comia. Quando sim, o lanche da escola, mas nem sempre. Chegava da escola com muita fome e não tinha almoço. Ela sempre levantou muito tarde, logo, o almoço sempre foi no meio da tarde. Agora por exemplo, meus meninos estudam no período da tarde, então, antes do meio dia a comida já está pronta. Enquanto preparo o almoço, ela está acordando e tomando café. Eles chegam da escola e o jantar está pronto. É bem cansativa essa demanda de cozinha. Não faço sempre comida fresquinha, mas não abro mão de ter o principal sem falta. O lanche sempre acompanha para terem escolha entre ele e o da escola.

Outra coisa que não repito, é de sair sem comer antes. Podemos comer na rua, com tranquilidade, só que desejo que sempre já tenhamos o básico e o que vier, será extra, conforto.

Mãe, tinha costume de passar o dia na casa dos outros, das amigas, parentes. Passávamos muitas horas fora de casa. Não comíamos antes e éramos proibidos de pedir, de reclamar e de aceitar comida. Ela sim, comida de tudo, sem moderação, mas não queria ter filhos fominhas, malcriados, sem educação. Logo, aprendi reprimir e dissociar. Era uma criança muito magrinha. Ela entendia que eu não precisava comer muito. Nunca tinha oportunidade de escolha. A divisão era absurda. Ela sempre gulosa, pega a parte dela, soltava o restante para dividir entre os dois filhos, um menino maior, sem nenhum limite e uma raquitinha. Eu nunca tinha chance. As sobras e farelos… Quem tem irmão sabe com funciona uma divisão bem orientada e supervisionada. Ao Deus dará, se imagina como fica. Tinha um lance adulta, preciso mais, ele é menino, tem que comer direito, você, ah, você nem precisa, nem tem corpo para sustentar.

Lembro quando a gente ia em consulta médica, tinha uma lanchonete no hospital. Era um sonho! Salivava naquela vitrine. Ela sempre pegava um cafezinho e um salgado para ela, mandava meu irmão escolher o salgado e o refrigerante dele e eu, se sobrasse, poderia pedir algo mais barato ou, muitas vezes, dividiria o do meu irmão, o que sempre significava ficar com uns 10% do que ele não queria mais, depois dos dois satisfeitos e eu aguentando até o fim. Ainda tomava bronca por atrasar todo mundo que já tinha comido com a minha enrolação e demora.

A gente tinha um tio que era mais abastado e muito próximo do meu irmão. Nunca escondeu suas preferencia e sempre dava muitos passeios e presentes para ele. Em datas comemorativas costumava dar tickets para ele ir ao mercado comprar seus presentes. As vezes ele falava para lembrar da irmã. Íamos, mãe, irmão e eu no mercado para ele escolher os ovos de páscoa dele. Eu não podia tocar, olhar, nem falar nada. Ele escolhia com toda paciência, dentre os mais atrativos, o de sua escolha. Eu quando muito, ganhava algum ovinho sem marca, sem graça, sem brinde. Ou bombom. Ele comia tudo ao meu lado, uma criança feliz, sadia, normal. Vez ou outra me dava um pedaço. E ambos me obrigavam falar para o tio que tinham dividido tudo, muito obrigada. Isso rotineiro com vários tios e tias.

Meu pai sempre foi muito ausente e não participava da nossa criação. Isso me é complexo já que não tenho mágoas de suas atitudes, mas sim das de quem estava ali. Ele era um grosseirão. Não queria que vivêssemos na casa dos outros. Íamos escondido e tínhamos que mentir caso ele perguntasse. Quando estava em casa, era clima de guerra pois ele discordava de todas as atitudes da minha mãe, dos seus hábitos e horários e das faltas como mãe mesmo ele não sabendo de quase nada que acontecia ali. Eu sentia conforto em sua presença já que seria menos acuada e humilhada pelos demais e sabia o preço seria pago posteriormente quando ele não estivesse presente. Nas refeições ele, vindo de uma família de ótimas cozinheiras, detestava o que ela preparava e deixava muito claro isso, mas ele não sabia utilizar sutilezas e era rotineiro agressões verbais e alguns pratos de comida voando na parede nos dias de mais álcool no sangue. Datas comemorativas me trazem muitas dessas memorias.

Até hoje ela tem o hábito de preparar, sentar e comer. Por mesa, chamar os outros, refeição junto, jamais. Eu sempre o oposto. Primeiro todos os outros, as crianças principalmente. Não me lembro de alguma vez ela ter feito meu prato. Aprender se servir, cortar, utilizar os talheres, nada! Cozinhar, não mesmo! Uma vez, perguntei como saber a quantidade de sal para fritar dois ovos. Ela com toda grosseria, com o retardada de sempre na frase, foi pega de surpresa com meu pai observando. Ele a repreendeu e o ódio dela a mim cresceu. Em um momento raro, ele com gentileza me orientou pensar em cada um por vez, como se fizesse apenas um, coloca uma pitadinha, depois pensa no outro e outra pitadinha. Me vem o contraste agora, me fazia, criança, saber do que nunca fui ensinada, hoje ela não é capaz de fritar dois ovos ao mesmo tempo. Se faz três, faz de um em um. E tantas e tantas outras coisas que a vejo fazendo hoje, como se fosse uma criança inexperiente, me exigia expertise quando a criança era eu. Cada respingo que caia, era xingada e tinha que limpar imediatamente, não podia errar. Hoje ela faz cada coisa que, em todas elas, me lembro dos gritos e humilhações que vivi, e tenho compaixão não revidando como ela merece.

Não podia me mexer, falar, sentir. Não podia existir. E era extremamente rechaçada por ser estranha, esquisitona, calada demais. Retardada era o adjetivo que ela sempre usava. Ela e meu irmão que são infinitamente parecidos. Cumplices. Dele já senti muita raiva que amenizou com o passar dos anos e com a distância. Entendi o lugar dele, suas limitações intelectuais e sentimentais. Recentemente tivemos uma conversa em que eu quase senti acolhimento, mas daí no final eu reconheci a barreira existente e voltei para o meu lugar seguro. Sensação semelhante foi com a minha filha, hoje já adulta, quando em um desabafo, soltei que não aguentava mais ser a única que faz a casa andar, que queria ser como todos que podem descansar e as paredes continuam de pé. Ela respondeu que eu faço drama e que o mundo não gira em torno de mim, que pareço uma adolescente incompreendida. Isso que dá sempre guardar tudo para si e de repente soltar para os ouvidos errados. Não é dali que virá ombro amigo.

Escrevi essas linhas na semana passada depois de passar longos dias sem comer uma pipoquinha enquanto acompanhava meu menino em sua dieta pastosa pós cirúrgica. Trouxe à luz várias dores das minhas profundezas/ traumas alimentares. Essa escrita desabafo me é muito terapêutica. Muitas vezes a escondo por usar a primeira pessoa e ter personagens reais que podem se sentir incomodados. Outro dia li que as pessoas mais velhas acham desrespeitoso quando não as deixamos mais nos desrespeitarem. Enfim. Escrever me faz bem e preciso alimentar esse hábito.

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texto de 18-08-24

Eu tinha me programado para passar três meses submersa nesse projeto. A vida não para. Todas as adversidades que poderiam ocorrer, ocorreram. No dia previsto eu estava preparada. A natureza fez adiar por mais três meses.

Hoje foi dia de prova. Incomum para a pessoa periférica, o local de prova ser a menos de 1km de casa. Não precisei acordar muito mais cedo. Não precisei de 2h de condução. Uma caminhada de 15min e só. Ir em casa almoçar, cuidar do filho recém operado e voltar tranquilamente para a segunda parte. Que privilegio!

Eu, meus vinte anos longe da escola, estudando uma apostila sozinha e um sonho. Adorei estudar a matéria realidade brasileira. O tema da redação foi: “Em que medida a educação e o processo cientifico e tecnológico podem contribuir para reduzir as desigualdades socioeconômicas e ampliar o desenvolvimento da sociedade brasileira?” Minha parte favorita. No anterior, escrevi uma redação linda que pela nota de corte, sequer foi considerada. Faz parte. Dessa vez também dei tudo de mim.

Um mix de sentimentos. Já aceitando a derrota e implorando por resiliência. Este foi o terceiro e mês que vem tem outro. Se encontrar um concurseiro por ai, tenha compaixão. O bagulho é doido!

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texto de 08-08-24

No Parque do Carmo, todo ano, nessa época, acontece a Festa das Cerejeiras. A florada dura apenas alguns dias e o bosque fica lindíssimo. Costumo ir antes da festa para aproveitar melhor no contrafluxo. Dessa vez só consegui ir depois, quase perdi, vi apenas o finzinho das florzinhas, de tal modo, belas como de costume.

Lembrei da minha ida no ano anterior. Quando estava chegando, passou um rapaz por mim, reparei no skate que ele carregava pois vinha pesquisando skate para os meus filhos. Atravessamos a rua juntos, entramos no parque, seguimos pelo mesmo caminho um tempo, depois entrei no bosque e ele seguiu por outro caminho. Passeei bastante, fiz muitas fotos, depois segui para perto do lago onde gosto de sentar sob as árvores para ler. Um universo paralelo. Me desconecto do mundo e me conecto comigo. Foi quando ouvi alguém me chamando. Se aproximou. Era o mesmo rapaz. Se apresentou e perguntou se a gente poderia conversar e se conhecer pois estava me observando há um tempo, tão livre, tão interessante, tão encantadora, uma mulher incrivelmente cheia de si. Eu e minha inabilidade de socializar, fiquei imóvel alguns instantes, achei estranho, achei que não era comigo, achei que não era real. Olhei em volta achando que era uma brincadeira. Moço, você está realmente olhando pra mim? Me enxergando? É sério? Cadê seus óculos? Então agradeci suas palavras, me desculpei por não atender suas expectativas e disse que preferia continuar meu compromisso do dia com minha solitude. Bom passeio, aproveite o parque, seja feliz. Nos despedimos e só. Segui com meu plano. E depois duas coisas me afligiram: ser esquartejada e enterrada pelo parque (cresci com o maníaco do parque no cidade alerta!) ou Deus olhar para mim e dizer: desisto dessa ai. Entreguei de bandeja e ela não entendeu o recado.