O dia foi ontem, dezenove de Abril. Três anos.
O dia foi todo prestando atenção na respiração. Não estava funcionando. Precisava de concentração para o ar fazer o que tem que fazer.
Três anos atrás, uns meses mais, eram meus trinta anos. Trinta anos bateu pesado. Trinta milhões de questões.
O ser ou não ser de Shakespeare migra para o mito de Sísifo e desagua em por que fazemos o que fazemos de Cortella. E as relações interpessoais ganharam destaque nos meus questionamentos recorrentes.
Eu nunca fui popular. Nunca tive muitos amigos. A introspecção sempre minha aliada. Prezo por conexões de almas. Poucos e profundos a muitos e rasos.
Certo dia faleceu um tio do meu então marido. As crianças nas escolas. Passamos a tarde na despedida. Foram horas grudadinhos como ha muito tempo não. Relacionamento enfraquecido. Aquelas horas ~que Deus me perdoe~ foram de recarregar meu estoque de carência afetiva. Não há nada pior do que se sentir sozinha estando acompanhada. Local e situação não favoráveis.
Comecei notar as migalhas que eu estava permitindo implorar receber.
No meu fatídico dezenove de Abril, a dor mais avassaladora chegou. Meu pai se foi. Se foi definitivo. O alcoolismo já tinha levado, picado há tempos. As horas seguintes são infinitas e cruciais. A gente não quer estar ali. A gente precisa estar ali. Ali eu senti o peso da solidão. Eu coadjuvante. Cercada de familiares com a mesma dor que a minha. Algumas menores. Do meu irmão igual. Da minha vó maior. Todos se apoiando, se amando, se fortalecendo. Eu me senti extremamente só. Muitos amigos do meu pai, amigos da minha mãe, amigos do meu irmão. Eu sem nenhum. Meu marido chegou minutos antes do enterro. Minhas redes sociais se encheram de mensagens. Meus braços só receberam carinho de pessoas do meu sangue, que sentiam dores também.
Não quero que ninguém se sinta mau. Falo do que senti. Do que me faltou no momento mais triste da minha vida. Ninguém quer estar ali. A gente não vai porque gosta. Muitas vezes não vai por quem partiu. Sim por quem ficou partido.
Um tempo depois fui novamente. Não exatamente por quem foi. Fui por quem ficou. Meu sangue. Não queria que sentisse jamais o que senti quando foi minha vez. Tinha muitas desculpas. Tempo, distancia, filhos. Só fui!
Depois daquele dezenove de Abril nunca mais fui a mesma. As amizades e amores também. Não adianta colocar tudo no mesmo balaio. Reciprocidade é jóia rara. Continuo dando o meu melhor com todos. Só aprendi classificar amigos, colegas, o que tem que conviver, o que é melhor afastar, o que é só virtual, o que pode sempre contar.
Separei tanto que agora percebo que não tenho nenhuma amizade. Quase nunca fico só. Tenho minha mãe do lado (que mesmo sendo água e óleo, sempre juntas estamos), tenho alguma família (alguns muito ponta firmes, obrigada!), alguns virtuais (que alegram meus dias) e a maternidade que me ocupa toda a vida.
Quase sempre estou sozinha. Aprendi transformar em solitude. E isso é maravilhoso!
Há momentos como esse dia em que a solidão esmaga todos os meus órgãos vitais.
Sou grata por meu ano, há três anos, que me fez enxergar muitas coisas, à duras penas mas necessárias.
As vezes tenho medo de precisar fazer algum procedimento médico e não poder por não ter alguém do lado. Não ter número de emergência dói um pouco. Pode ser por ser. 100% do meu tempo me desdobro pelos meus.
Torcer para esse dia acabar logo.
E voltar para o cotidiano.
Dia a dia.
Dia após dia.
Despedaçando.
E replantando.
Solidão.
Solitude.
Só!