Eu só chorava. A gestação inteira. Dormia chorando, acordava chorando, trabalhava chorando. Os olhos escorriam o tempo todo. Quando vinham as crises com soluço, me escondia no banheiro. Evitava as pessoas. Não usava elevador, as escadas são o paraíso. Na rua e no transporte público, as pessoas não se enxergam e isso me salvava. Eu saia do trabalho e parava na igreja do lado da estação, ali podia chorar em paz. Ou no shopping só sentar quietinha sozinha no meio da multidão. Passava horas enrolando o tempo pra poder chegar em casa já na hora de dormir. Uma conexão insana com a barriga. Nós duas contra o mundo!
Eu tinha 17 anos. Estava no ultimo ano do ensino médio. Tudo o que eu queria era crescer, sair de casa. Infância difícil. Pai alcoólatra. Zero afinidade com a mãe. Irmão machista. Eu era invisível! Já trabalhava. Tinha um relacionamento meio abusivo de três anos. Era bom na maior parte do tempo. Eu o amava e ele me idolatrava. Me sentia verdadeiramente amada, como nunca mais senti. Mas era passarinho na gaiola. E eu queria o mundo. Foi a primeira vez que segui a razão mesmo com o coração partido por partir um coração. Queria ser dona do meu próprio nariz!
Logo em seguida, no trabalho, recebi um bilhetinho que tinha um admirador secreto. Aquilo me instigou. Deu medo e curiosidade. Bilhetinhos e mais bilhetinhos. Conheci. Me apaixonei. É tudo perfeito para olhos apaixonados. Resolvi curtir o momento. Mergulhei de cabeça! Mas era raso. Me quebrei inteira! Nunca mais quis curtir o momento!
Foram lindos três meses. Até que simplesmente sumiu. Sem dizer nada. Trocou de trabalho. Parou de responder mensagens. Não atendia as ligações. E era aqui que devíamos ter nos desencontrado pra sempre. Não fosse pela sementinha que ja estava plantada.
Insisti por uns dias. Me culpei. Aceitei. Atrasei. Me assustei. Adiei o curso. Congelei a ideia da faculdade. Neguei. Neguei. Neguei. Decidi fazer o teste. Liguei mais uma vez. Nada. Que momento horrível fazer o exame. Liguei mais uma vez. Não queria pegar o resultado sozinha. Liguei. Peguei o exame. Liguei. Não abri. Liguei. Resolvi abrir sozinha no meio da rua. Liguei. Então desmoronei. Cai prostrada na calçada. Celular foi pra um lado, bolsa pro outro. Chorei em posição fetal ali por umas três horas. Até hoje quando passo naquela rua, vejo a cena e queria voltar no momento pra me pegar no colo… Depois de umas duas semanas convivendo sozinha com aquela informação, decidi enviar uma carta, sim uma carta, contando pra ele. Pedindo pra me ligar para conversarmos. Uns dez dias sem resposta, precisei contar em casa. Sem coragem. Sai pro trabalho e deixei o exame positivo na mesa com um bilhetinho pedindo desculpa. A noite fui bem acolhida, graças a Deus. A família dele que abriu a carta. A família que fez ele aparecer. Foi ali que coloquei meu eu no bolso e comecei viver pela nova vida que estava por vir. Eu não queria mais ter contato com ele mas não era mais por mim. Ele é família do meu bebe também. Como o amava, aceitava algumas migalhas de afeto esporádico. Não pressionava, queria que estivesse comigo por querer estar comigo e não porque todos em volta achavam que devíamos ficar juntos. Tentei a todo custo silenciar meus sentimentos pois a prioridade da minha existência passou a ser outra.
Recebi apoio. Muita ajuda com enxoval. Não do pai. De outras pessoas. Fiz plano de saúde. Acompanhamento. Organizei as coisas, reformei a casa. Tudo sozinha com um salário mínimo. Foi Deus! Meu irmão se revelou um ótimo companheiro. Ia em algumas consultas e exames. Eu sempre avisava o pai. Esperava. Ele nunca apareceu. Nem naquele que se descobre o sexo. Esse me magoou profundamente. Foi ali sozinha que escolhi o nome. Gerou briga depois porque ele queria outro, o avô queria outro. Pouco me importei. Nesse dia passei a ser a pessoa que não se importa com a opinião de quem não estava presente quando deveria. Até hoje sou assim. Dou a chance de participar. Me deixou resolver sozinha? Nunca mais fale sobre o assunto! Ele aparecia em casa quando queria. Falava que ia, não ia. Atendia vez ou outra. Nas últimas semanas decidi não ligar mais. Deixar ele descobrir do parto no tempo dele. Fui bem criticada por não compreender que era difícil pro coitadinho.
Então no dia 06 de Outubro, com 39 semanas e 5 dias de gestação, entrei em trabalho de parto. Já sabia que não teria o medico que me acompanhou pois ele atendia muito longe de onde eu moro e sem carro, ficaria impossível chegar. Não queria agendar uma cesárea. Queria esperar o tempo dela, a hora dela, respeitar o processo dela. Julgamentos e mais julgamentos. Não conhecia ninguém que teve parto normal. Um absurdo querer seguir o fluxo da natureza! Não liguei pra avisar o pai. Não suportaria não ser atendida naquele momento. Minha queridíssima vizinha me deu carona pro hospital. Cheguei lá as 21h. Fui examinada e liberada. Ainda demoraria e não podia ficar esperando lá. Quando não se tem conhecimento, as contrações são desesperadoras. Um medo irracional. Voltamos pra casa. As dores continuavam. Virou o dia. As 3h da madrugada chamei a vizinha novamente. Seguimos. Examinada, dispensada. Fiz meu primeiro barraco da vida e decidi não sair dali enquanto não nascesse. Consegui ser internada. Uma noite toda de dor. Minha mãe do lado insistindo pra eu pedir cesárea, insistindo pra eu ligar pro pai. Eu só queria me concentrar na dor e torcia para que aquilo passasse logo.
Dia 07 de Outubro de 2.003, as 10:50h da manhã, Giovanna chegou ao mundo. Até hoje não consigo descrever aquele momento. Incondicional acho que é a palavra. Inexplicável! Eu só queria que fossemos nós duas ali e pra sempre. Mas entendia que ela não era só minha. E isso me despedaçava. Ali e até hoje. Minha mãe de cara já se conectou a ela. Como nunca foi comigo. Não tenho ciúmes, fico feliz por elas terem isso. Meu irmão também. Uma afinidade que nem se nomeia. Giovanna tem isso. Cativa todos ao seu redor. É luz, amor e alegria. Eu não conseguiria viver sem deixar ela ter contato com a outra parte da família. É um direito de todos. Mesmo com o alto preço que pago por isso. Não é sobre mim.
Nossas dores são nossas. Nossos aprendizados são nossos. Nossos filhos são deles mesmos! Precisamos estar na retaguarda dando suporte e combustível. Voa minha passarinha! Voa! Você já nasceu pronta! E hoje é um espetáculo! Te amo Gi! 🖤