Coisas

Faz tempo que não te escrevo assim, despretensiosamente, sobre as coisas de dentro. Apesar de dormirmos e acordarmos juntos, de falarmos sobre uma infinidade de assuntos, de darmos abraços sem fim, beijos de todas as cores e olhares silenciosos, nem sempre falamos sobre as coisas de dentro.
Um “eu te amo” às vezes sai rápido, ao fim de uma conversa ao telefone ou um pouco antes de um de nós sair de casa. Outro “eu te amo” também sai pela boca um pouco mais lento, sem motivo, no meio de um filme, de um jantar ou quando fazemos coisas banais, como por exemplo: eu no banho e você fazendo a barba; eu no sofá lendo uma revista e você ao meu lado lendo um livro; eu cortando carne e você colocando a mesa. “Eu te amo” nós dizemos todos os dias, muitas vezes sem pensar: a voz apenas sai e diz o que está impresso no coração. Mas o que existe por trás dessas três palavras? O que existe, afinal, por trás do amor?
Já ouvi muitas definições sobre este sentimento único. Eu mesma já tentei defini-lo, sem sucesso, obviamente. Não me atrevo a tentar justificar ou denominar algo que está dentro das pessoas. Nós nos amamos. Muito. Mas o meu amor é diferente do seu. Assim como o amor que temos é diferente do amor que outros casais têm. Então o amor não é igual, linear. Ele é diferente, ajustável, anatômico. Acho que o amor deve ser diferente porque os corações nunca são iguais.
O amor tem as suas particularidades, mas não é mais bonito ou mais feio, mais gordo ou mais magro, mais careca ou cabeludo. Ele simplesmente é. E o fato dele apenas ser se sustenta e o deixa belo, independente de sua forma. Pode soar meio confuso tudo isso, mas o amor é. Ele não precisa de mais nada: apenas surgir e ser. Porque quando ele é permanece até o fim do mundo.
É por isso que eu quero te agradecer. Obrigada por me amar. Obrigada por estar ao meu lado quando eu mais preciso, quando me perco, quando não sei quem sou, quando mergulho e não encontro o caminho de volta. Obrigada por me amar quando eu esqueço as chaves, quando roubo as tuas meias, quando coloco a xícara em cima da mesa sem o porta-copos, quando esqueço de trocar o lixo, quando não ouço e quero apenas falar, quando sou teimosa. Obrigada por me amar nos meus dias ruins, quando estou assustada ou agressiva, chateada ou morna. Obrigada por me amar mesmo sendo mandona, mimada e brava. Obrigada por me amar quando não sei o que fazer, quando não consigo dizer ao certo o que preciso, quando o que aparece é só o meu avesso. Obrigada por amar minhas fraquezas, angústias e asperezas. Obrigada por amar minha sujeira, meu lixo interno, meus cabelos no ralo, meu lado azedo e estragado. Obrigada por amar meu jeito muitas vezes infantil. Obrigada por amar meus defeitos, que não são poucos. Obrigada por amar minhas celulites, estrias, meu dedo esquisito, minha mancha do pescoço, meu dente que entortou depois que o siso apareceu. Obrigada por amar minhas incontáveis sardas e cada hematoma que aparece na minha pele branca sempre que sem querer bato na mesa, na cadeira, na porta, no armário, em qualquer lugar. Obrigada por amar minha forma desastrada de ser. Obrigada por me amar quando falo sem pensar, quando o filtro vai embora, quando surto, enlouqueço, grito ou vomito frases feias. Obrigada por me amar quando eu erro. Obrigada por me amar quando eu não sou tão legal. Obrigada por me amar quando o amor anda na corda bamba. Obrigada por me amar quando eu acabo esquecendo de gostar de mim. Obrigada por amar o que escolhi ser. Obrigada por amar quem eu sou e não quem você gostaria que eu fosse. Isso, sim, é amor.
Clarissa Corrêa

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