Eu não entendia esse lance de fã/ ídolo. Achava legal gostar, admirar, se identificar mas só até a página 2. Cantor, ator, jogador de futebol. Por que idolatrar alguém que nem sabe que você existe?
De repente, comecei aparecer meio sem querer ali naquele mundo fantasioso chamado internet. Não bem eu. Minha arte, meus artesanatos, que são uma porcentagem tão minúscula do que eu sou. Mesmo porque o que sou, não sou. Eu mudo. Me transformo a cada segundo. Surgiram umas pessoas se dizendo minhas fãs. É um pouco estranho. Sei que é muito pequeno. E efêmero. Meus pés estão muito fixos no chão, diga-se de passagem.
Já gostei e gosto de muitos famosos mas nem sei se consigo dizer que sou fã. Não acredito que tenha algum ídolo.
Conheci um poeta. Moderno. Com sucesso na internet. E mais seus amigos. Eles tem um coletivo de artistas. De deleitosos textos. Escrita doce, realista, esperançosa, profunda, melancólica, dramática… Tudo o que me toca na alma. São meio que super bonder de caquinhos de coisas do lado de dentro. E percebi que transpassei aquela tênue linha e virei fã. Por causa do diferencial. Eles são gente comum, gente como a gente. Me vejo muito em cada um deles. Os encontrei pessoalmente algumas vezes. Sempre muito receptivos, solícitos, acessíveis. Fui em um bate papo na primeira vez, teve autógrafos em seus livros, abraços calorosos, toque, presença de corpo e alma. E que almas lindas! Já somo meia dúzia de encontros. De sair com o coração aquecido. Não há nada mais gratificante para um leitor apaixonado do que ter seu exemplar autografado e com dedicatória. Viver no mesmo tempo presente que seu ídolo, ter o mínimo de contato e uma ~mesmo que ilusória~ amizade. É encantador! Reconheço que não consigo o tempo todo ser ajustada e separar o talento que amo neles com o resto do todo que cada um é. Nutro um amor platônico por um deles. Não mereço tal reverberação.
Quando criança, fui em um ou dois shows. Só consigo recordar da sensação ruim de estar em um aglomerado de gente. Muita gente, muito empurra empurra. Abafado, apertado, agonizante. Adolescente fui em mais alguns, pequenos, cristãos, sem grandes lembranças. Casada tive vontade de ir em dois, de artistas famosos, internacionais. Não consegui por diversos motivos. Em um deles, marido foi sem mim, o que rendeu uma boa crise.
Vida passa, muita coisa muda, muita aflora. Introspecção reina. A parte cinéfila toma protagonismo. Ir ao cinema sozinha, melhor passatempo! Eu ia dizer que frequentar lugares cheios me apavora. Sim e não. Cinema está ai para equalizar. Acho que gosto pois estou na multidão, mas permaneço sozinha. Não precisa de interatividade. Tenho pavor de socializar! Não faço novas amizades. Não gosto muito de conversas sem intimidade, papo furado, superficialidades. Tudo me incomoda, as amarras sociais, os trejeitos, os cuidados com as aparências que queremos passar, as podas e os excessos. Grandes encenações. Acho lindo o que somos sozinhos, entre quatro paredes, no travesseiro. Isso que me importa.
Eu tenho uma prima/ amiga/ irmã que é muito parecida comigo. As nossas desculpas são similares, as nossas dores, nossas angústias e nossas fobias. É ótimo marcar as coisas com ela e saber que cancelaremos naturalmente. Compreendemos e validamos os motivos com empatia. Certa vez em uma conversa falamos que só iriamos em um show se fosse nostálgico como um retorno de Sandy e Junior. Alguns meses depois veio o anúncio da turnê. Não acreditamos. Um único que faria a gente se jogar. A loucura dela com a minha se completaram. Foi insano o valor, foi insano conseguir comprar, foi insana a ideia de ir. Sabíamos que seria uma experiência única. Não se repetiria. E nos arrependeríamos caso perdêssemos. O tempo todo uma surtando, apoiando a outra, acalmando, surtando junto, entendendo a crise da outra. Ter quem sente exatamente igual faz toda a diferença.
Chegou o tão aguardado dia. Eu planejei desistir muitas vezes. Minha amada foi minha força! A contagem regressiva dos dias foi tensa. As horas anteriores ao dia foram sofridas. A noite foi em claro. Assisti um filme de terror para entreter aquelas horas. Gostava muito antigamente, agora tenho muito medo. Nem esse muito medo me fazia mudar o pensamento, mudar o foco. A palavra ansiedade é pequena para descrever. Os sintomas da crise são físicos. Dado momento tive uma queda de pressão na fila. Eu sou aquela pessoa que chega nos lugares já observando a saída. Tenho necessidade de planejar uma rota de fuga. Aglomerados me causam náuseas. Na entrada precisei jogar um livro no lixo. Sou muito apegada em livros, foi realmente doloroso não passar com ele na revista.
Foi a primeira vez que entrei em um estádio. Imenso! O palco montado, lindo! O sentimento inexplicável era compartilhado com todos ali. Todos vulneráveis. Na mesma sintonia. Ver lotando, todos os espacinhos sendo preenchidos. Então alguém começa cantar, e todos ao redor continuam, cinco, dez mil pessoas cantando junto. A ola começando aqui e percorrendo todo o estádio. Trinta, quarenta mil pessoas repetindo os gestos e as músicas. O fim daquela tarde de inverno é aquecida por corações pulsando na mesma batida.
O espetáculo inicia. A multidão delira. Quase cinquenta mil fanáticos vão a delírio. Nesse momento já não cabe ali metades. Todos inteiramente entregues. Outrora indaguei que não merecia estar ali. Gostava mas não era enlouquecida por eles. Não sabia todas as letras, não colecionei pastas de arquivos da mídia. Fez parte da minha vida mas não idolatrava. Nessa hora percebi que fã não se mede com a mesma régua. Nem precisa. Nem faz sentido. Me entreguei ao momento. Fui tudo que não sou normalmente. Intensa. Expansiva. Cantei do começo ao fim. Chorei do começo ao fim. Dancei do começo ao fim. Tirei muitas fotos ~que ficaram ruins~ e fiz vários vídeos. Eu tinha dito anteriormente que odiava quem faz isso e não curte o momento. Sim, curti muito o momento e sim, queria registrar para a posteridade. Abria a câmera e curtia sem lembrar dela, tanto que não houve foco nem enquadro, tao pouco arrependimento por isso. Eu que nem de contato físico e nem de desconhecidos sou chegada, estava lá cantando e chorando copiosamente, abraçada com pessoas que tinha acabado de conhecer. Pessoas com a mesma emoção que eu estava sentindo, com a mesma nostalgia, com a mesma euforia. Se eu me contasse depois, eu não me acreditaria. Ainda bem que eu estava lá para me provar! Foram horas inacreditáveis e inesquecíveis. Os artistas que sempre gostei, se tornaram ainda mais maravilhosos. O carisma, a simpatia e o talento são multiplicados infinitamente pessoalmente. A voz da Sandy é uma coisa surreal. O Junior se tornou um astro impecável. E a emoção deles era nítida. Estavam imersos naquela atmosfera fantástica junto conosco. Uma super produção com efeitos, luzes, fogos, bolas e balões. A energia contagiante. Coisa de outro planeta.
Saímos extasiadas. A parceria foi fundamental em todo o processo. Serei eternamente grata! Ter com quem dividir a adrenalina foi essencial. Passamos as horas seguintes em transe. Os dias. Aquele som tocando repetidamente no ouvido. O tom, a pausa, a voz embargada. Tudo milimetricamente gravado na memória. A galera querendo repetir. Eu não. Ainda não superei. Ainda estou digerindo, deleitando. A alma demorou bastante para voltar e sincronizar com o corpo. A emoção foi demais para mim. Não sei se aguento novamente. Minha cota já bateu. Espero que todos possam vivenciar isso com seus ídolos ao menos uma vez na vida. É frenético, intenso e transformador.
A gente é fã de graça! Sem interesse, sem precisar de algo em troca. A gente admira e os quer bem. A gente é grata pela existência dos nossos ídolos. Agora eu entendo e vou muito além da página 2. Tinha simpatia. Agora empatia. Que bom termos exemplos, termos admiração e termos reconhecimento. Para ver a alma transbordar, cada segundo de ansiedade vale a pena. Eu te dou meu coração, você me dá o seu talento. Obrigada universo por tanta troca! A arte salva o mundo!