15/03/23

Quando Giovanna me contou, primeiro achei que estivesse de brincadeira. Depois quando percebi que era real, mandei essa mensagem:

“Eu não encontro palavras. Dizer que vai ficar tudo bem tem uma penca de gente que vai falar. Espero sinceramente, profundamente que fique. O mais breve possível. Duas décadas e eu ainda não consegui, mas você é imensamente melhor e mais forte. Vai tirar de letra. Te amo infinitamente! Tomara que você sinta! E que o seu incondicionalmente seja tão belo e perfeito quanto o meu é. Você é tudo pra mim! Obrigada e me perdoe, quando puder. 🖤”

Não que a vida não seja um looping constante de recalcular rota. Sempre é. Mas essa surpresa me pegou de jeito. Continuei com as obrigações, com a rotina, porque a vida adulta não permite que nos recolhamos a  qualquer momento, quando convém. Isso é luxo de alguns, jamais de uma mãe solo que carrega também a casa e a mãe nas costas. Segui no modo automático, apenas de corpo presente. Desconectei todas as redes sociais. Arquivei as conversas no aplicativo, deixando somente dos filhos e das escolas para emergências em horário comercial. Ficar totalmente off não é para quem quer, é para quem pode. Se ausentar necessariamente transfere mais peso nos ombros de outro alguém. Eu sou a pessoa que acumula pesos, não a que produz conscientemente para terceiros. Esperei para desabar apenas no final de semana seguinte depois dos meus filhos terem ido para casa do pai. Umas 36h seguidas de choro em posição fetal. Sem luz, comida, banho, sono… Levantei, recebi minhas crias de volta, o modo piloto automático seguiu por mais duas semanas. 

O que doeu não foi nadinha sobre a Giovanna. Foi sobre mim. Sobre as minhas vivências, minhas dores. Reabri e revivi tudo que havia guardado numa gavetinha muito bem escondida embaixo de muitas camadas, muitos muros de auto proteção.

Aos 17 anos fiquei grávida. Minha vida parou ali. Não era mais nada sobre mim. Guardei meu eu no bolso e vivi por nós. Não faria nada diferente. Tudo foi por instinto, foram meus ponderamentos. Foi sobre respirar, olhar friamente (mesmo com tudo fervilhando o tempo todo), analisar o que estava acontecendo e fazer o que tinha que ser feito. Prestar vestibular, morar sozinha, mudar de emprego. Fim da fila, fim da fila, fim da fila. Viajar, descansar, passear. Cortar da lista! Não tinha base familiar e me dava muito mal com todos eles. Engolir tudo e seguir em frente. O genitor não compareceu. Fazer sua parte, a parte dele. Esperar a conta chegar. Ah, mas não é comigo que acerta. Eu estou em dia. Ufa!

Tenho muita implicância com o termo “o tempo cura tudo”. Acho que ele não cura nada. A gente é que decide seguir e dia após dia, reorganiza as coisas, as prioridades, vai sobrevivendo, tira do foco aquilo que mais lhe dói no momento e aprende viver apesar de. Aquela dor não cura, ela é amenizada. O machucado cria casquinha, cria cicatriz e fica quietinho por bons períodos. Até que vem lâmina afiada, rasga a pele, abre a carne e sangra novamente. 

O que me derrubou mesmo foram as lembranças. As memórias doloridas. O eu no bolso. Os pedidos silenciosos de socorro. As dores para pedir ajuda, asilo, auxílio e as ligações não atendidas. E as ligações atendidas, as palavras doces e atitudes não condizentes. Hora de silêncio estrondoso de costas viradas. Hora falas, falas e mais falas vazias. Ainda não consigo saber o que feria mais. 

É um pouco conflituoso o que a modéstia faz com a gente. Um monte de gente passa por isso, é comum, é normal. Ao mesmo tempo, UAU! Eu era uma menina, sozinha, gerando uma vida, gerenciando nossas vidas, parindo, amamentando, lidando com hormônios, ganhando um corpo novo, transformado, tomando decisões importantes o tempo todo, batalhando, sobrevivendo. Sozinha. Sozinha. Sozinha. Sem tapinhas nas costas, sem carinho no rosto, sem massagem nos pés. Com dedos apontados, opiniões inconvenientes e um esmagador peso de obrigações inadiáveis. 

Sempre tive medo dela ter o mesmo destino que eu, engravidar na adolescência, sem ter conquistado suas coisinhas, estudos, trabalhos, sonhos. Ela fez 17, passou. 18, passou. Com 19, aconteceu. Não é que não possa conquistar tudo que deseja, com filho. É que sei, senti, vivi, que tudo fica totalmente mais difícil quando você tem que pensar “no bem geral da nação” antes de pensar no seu próprio eu, nos seus desejos, suas vontades. Tive minha primeira filha totalmente sozinha. Depois tive meus dois filhos com um pai tecnicamente presente. Sei como é sentir solidão estando só. Sei como é sentir solidão estando acompanhada. A maternidade sempre me foi avassaladora. Mesmo sendo muito otimista, sei das dificuldades que minha bebê vai enfrentar. Eu enfrentaria todos os percalços em seu lugar só que agora, mais uma vez, não é sobre mim. Preciso aceitar o meu lugar. E torcer para meu cantinho na janelinha ser mais confortável do que o da direção que agora não me pertence mais. 

Uma passagem bíblica favorita está em Marcos 12 41-44. Nela, muitas vezes encontrei conforto. É um colo/ abrigo invísivel onde me refugiei tantas vezes que precisei fisicamente e só encontrei um massacrante vazio ao redor. 

A oferta da viúva 
Jesus sentou-se perto da caixa de ofertas do templo e ficou observando o povo colocar o dinheiro. Muitos ricos contribuem em grande quantidade. Então veio uma viúva pobre e colocou duas moedas pequenas. Jesus chamou seus discípulos e disse: “Eu lhes digo a verdade: essa viúva depositou mais que todos os outros. Eles deram uma parte do que lhes sobrava, mas ela, em sua pobreza, deu tudo que tinha”.

Estou em paz com a novidade de ser avó. 
Quero ser o suporte que não tive.
Me deslumbro com Giovanna, mãe.
E anseio o encontro com Miguel. 
Vem, Miguel! ♥️

2 thoughts on “15/03/23

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