Dia desses, no metrô, sentada do meu lado, havia uma moça conversando ao telefone, o percurso inteiro. Chegando no terminal enquanto guardava meu livro, olhei sem querer para a tela do celular dela: Pai. Tirei meu fone e ouvi um pouquinho da conversa. Minhas lágrimas escorreram e me desestabilizei por dias. Um instante me fez lembrar que eu nunca falei ao telefone com meu pai.
Recentemente, em uma viagem com a família, minha vó rememorou o triunfo do meu pai ao se tornar pai. Pela primeira vez eu ouvi sobre ter sido desejada, amada. Contrastando com o que ouço rotineiramente, em alto e bom som, da minha mãe sobre eu ser um erro, indesejada, um fardo, não era para ter nascido.
Um dos meus grandes conflitos na vida é de admitir minha afinidade com o meu pai. Não que em algum momento tivéssemos sido próximos. É aquela migalhinha de afeto, um pequeno olhar de acolhimento, aquele sentimento de ser vista, ser enxergada minimamente na minha absoluta invisibilidade.
O farto banquete de rejeição, inadequação e repulsa que sempre recebi no seio familiar era amenizado na presença do patriarca. Até nesses momentos eu sofria pois era certo que na sua próxima ausência, as consequências viriam. E elas vinham. Mas era ótimo a grandona mãe e o gigante irmão se apequenarem e não me devorarem momentaneamente. Tenho tanta compaixão por ela. Imagino como deve ser difícil ter uma filha a qual não ama. Incapaz de partir, autoflagelo é o que me cabe. Não sei externalizar minha raiva pelo abandono emocional, pelo desamparo. É como se me obrigasse a só partir quando conseguisse resolver a complexidade dos sentimento ambíguos. Por que sou capaz de me solidarizar por um pai falho, aceitando a doença, entendendo as batalhas, as dores, as tentativas e não fico em paz com as ausências dela!? Não consigo.
Queria que ele soubesse que eu sou para os meus filhos, a mãe que ele gostaria que os filhos dele tivessem. Não fui a filha que ele precisou. Ele foi o pai que conseguiu. E foi tudo uma merda. Foi o que deu para ser.
Todos os dias me lembro. Não sei como seriam as coisas se tivessem tomado rumos diferentes. Gosto de flertar com uma vida menos solitária. Sinto saudades do que nunca vivi (como diz o poeta contemporâneo). O imagino presente em vários momentos. O levo em show. O levo no parque. O levo para um lanche na padaria. Nas músicas que ouço. Na arte que minhas mãos produzem. Nas leituras. Dia 19 de Abril, dia 21 de Julho e segundo domingo de Agosto agora doem especial. Aqueles que amamos nunca morrem. Te amo, pai!